Subsídios não bastam: transparência e fiscalização moldam o futuro da mobilidade urbana
Novos modelos de governança contratual e uso de verificadores independentes se tornam chave para garantir eficiência e qualidade no transporte coletivo
Com o transporte público coletivo oficialmente reconhecido como direito social pela Emenda Constitucional nº 90/2015, o Estado tem o dever de garantir acesso universal, contínuo e de qualidade. O modelo tradicional de financiamento — baseado exclusivamente na tarifa paga pelo usuário — tem se mostrado insustentável diante da queda de demanda durante a pandemia e do aumento dos custos operacionais.
Em Belo Horizonte e Região Metropolitana, o sistema MOVE (Bus Rapid Transit) transporta cerca de 350 mil passageiros por dia ao longo de 23 km de corredores exclusivos, integrando municípios como Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Vespasiano. A tarifa municipal de ônibus é de R$ 5,75, e a do metrô, R$ 5,80. A integração entre ônibus e metrô, por meio de cartões específicos, varia entre R$ 8,85 e R$ 10,00, dependendo da linha. Esses valores refletem um sistema tarifário complexo, que ainda enfrenta desafios de acessibilidade econômica para parte da população.
Já em Salvador, a Câmara Municipal aprovou, em julho de 2025, um subsídio de até R$ 205 milhões para evitar o colapso do sistema: R$ 190 milhões destinados ao transporte coletivo convencional (STCO) e R$ 15 milhões aos “amarelinhos” (STEC). A tarifa foi reajustada em janeiro de 2025 para R$5,60, após estudo de revisão tarifária
Para os próximos anos, a Prefeitura seguirá investindo na melhoria do transporte público de Salvador, com ações de renovação da frota e de criação de linhas. Ao longo de 2025, chegarão a Salvador mais 300 ônibus convencionais com ar-condicionado e motor Euro 6, que estão em processo final de aquisição por meio de dois financiamentos já aprovados pela Câmara Municipal. Além disso, a capital baiana ganhará mais 90 veículos elétricos, inclusive com modelos articulados. Assim, a frota renovada passará de 60% ainda neste ano.
Apesar dos avanços na concessão de subsídios, o nível médio de cobertura no Brasil ainda é de apenas 30% dos custos operacionais, enquanto em cidades europeias esse índice chega a 55%.
Segundo Marcello Lauer, Senior Partner da Grand Hill, “o financiamento só cumpre seu papel se vier acompanhado de governança contratual eficiente, com controle de dados, clareza nos indicadores e responsabilização das partes”. Ele ressalta que os contratos devem prever mecanismos sólidos de planejamento e controle, alinhados ao plano plurianual de desenvolvimento dos municípios e regiões metropolitanas.
Auditorias do Tribunal de Contas do Paraná em Maringá, Cascavel e Curitiba identificaram falhas na estrutura dos contratos — como ausência de estudos econômico-financeiros consistentes e lacunas na coleta de dados — e recomendaram a adoção de sistemas técnicos com indicadores gerenciais e integração de dados operacionais, financeiros e de subsídios.
Esses problemas se repetem em vários estados. Santa Catarina, Pernambuco e Espírito Santo já utilizam ferramentas digitais interoperáveis, com painéis auditáveis e públicos, para garantir transparência e accountability nos contratos de transporte coletivo.
Nesse cenário, emerge o papel do verificador independente: agente técnico externo, imparcial e especializado, capaz de processar grandes volumes de dados sobre quilometragem, pontualidade, fluxo financeiro e metas contratuais. Embora a Lei nº 14.133/2021 (art. 117) não cite expressamente esse termo, seu fundamento legal permite esse tipo de contratação, com responsabilidade civil pela veracidade das informações e compromisso de confidencialidade.
“A figura do verificador independente é essencial para mitigar assimetrias de informação e gerar confiança entre poder concedente, operadora e sociedade”, destaca Lauer. Ele defende que os editais prevejam sua contratação obrigatória, bem como a adoção de sistemas compatíveis com APIs integradas a portais públicos.
Esses profissionais costumam atuar em equipes multidisciplinares — tecnologia da informação, ciência de dados, análise econômico-financeira, jurídico e contabilidade —, utilizando dashboards, alertas preditivos e sistemas interoperáveis que cruzam dados operacionais, financeiros e de qualidade.
“Não se trata mais de uma inovação opcional, mas de um requisito para contratos públicos mais confiáveis e sustentáveis”, conclui Lauer. Em Belo Horizonte, Salvador e demais grandes centros urbanos, a profissionalização da vigilância contratual — com tecnologia e especialistas independentes — é o caminho para transformar o transporte coletivo em política pública eficiente e fiscalmente sustentável.
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